segunda-feira, 4 de julho de 2011

O dicionário, segundo minha mãe. E meu pai também. Parte final.

Quando os irmãos são unidos, um costuma ajudar o outro a se livrar de um castigo materno ou paterno.  Assim, um de nós, ou todos, tentava ajudar o outro a se esquivar de uma culpa junto aos pais, usando desculpas, subterfúgios ou mesmo mentiras. Usando seu rico vocabulário, nossos pais já diziam: “Dexa de sacrafúgio, minino, oceis tão é de culeio”. Sacrafúgio já mencionei logo atrás; culeio, ainda não. Com o tal culeio, eles queriam dizer que a gente estava de CONLUIO, o seja, combinado, pactuado, mancomunado.  A propósito, o culeio ou conluio é uma estratégia muito usada pelos políticos para favorecimento mútuo. Não é fácil encontrar um político em atividade que não esteja em conluio com alguém. Os políticos mais antigos, mais rudes e menos alfabetizados, usavam culeio; os de hoje bem mais cultos, usam conluio para ficar linguisticamente corretos, mas moralmente muito incorretos.

Toda criança normal é curiosa. Não sendo muito tímida e tolhida em sua liberdade, ela gosta muito de ficar fazendo perguntas sobre as coisas que lhe cercam e sobre os assuntos dos adultos. No meu tempo, embora mais retraídas por causa da disciplina, a gente também, costumava fazer muitas perguntas, não tanto constrangedoras quanto as feitas pelas crianças de hoje. É cada pergunta, que dá até para corar os mais velhos!  Nossos pais, às vezes por causa da rudeza, paciência e incultura, não respondiam com muita eficiência, já chamando a gente de espicula.   “Ocê é muito espicula, minino! Dexa de ser inxirido”!  Espicula! Que gracinha! Até me arrepio de lembrar.  Esse espicula eles tiraram do verbo especular, que tem dois sentidos: O primeiro é relativo a espelho; a brilho semelhante ao do espelho. O segundo, significa estudar com atenção; meditar; raciocinar; colher informações sobre alguma coisa. Significa também encontrar formas de ganhar dinheiro no mercado de capitais. Com certeza não era neste último sentido que eles utilizavam o “xingamento”. Era no sentido de ser intrometido mesmo, curioso ou “inxirido”, de acordo com o vasto vocabulário deles.

O mais surpreendente nesta história é que foi essa mulher, analfabeta, que me mandou pra escola. Foi essa mulher que mesmo não sabendo o beabá me incentivou a estudar pra arranjar um emprego “bão”, segundo ela mesma dizia, Era essa pobre mulher que fazia café de manhã, quando tinha pó, pra gente tomar e não ir para a escola em “jejum natural”, conforme ela dizia. Essa senhora era a mesma que fazia sopa de macarrão para eu engolir correndo, sem mastigar, e não chegar atrasado no Ginásio Estadual, no Colégio Comercial e, tempos depois, na FAFI-FUOM. No início, antes do macarrão, eu tomava um banho na água que ela havia esquentado no fogão a lenha, por falta de um banheiro decente. Sou nada, mas o nada decente que sou devo a essa humilde criatura, cuja timidez não a deixava carinhar fisicamente os filhos.

Terminando, antes que eu leve uma “currumaça” de xingamentos, uma vez que estou “estrovano”, já que vocês devem estar querendo ir comer uma “ treta”, vou fazer apenas uma pergunta. Imagino que ninguém vai saber me responder, mas vou fazê-la assim mesmo, não obstante também possa parecer pergunta idiota e me considerarem “espícula”: Por que as mães morrem? Se eu fosse Deus, não deixaria nenhuma mãe adoecer, e muito menos morrer, mesmo sabendo que elas merecem o céu. Elas fazem muita falta para os filhos, mesmo estes estando com o cabelo branquinho e se locomovendo de bengala. Aí é que elas fazem falta mesmo! Uma boa mãe é o céu aqui na terra. Mãe é uma coisa tão boa e tão necessária que até Jesus, mesmo sendo filho de Deus, precisou ter uma.

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