sábado, 16 de julho de 2011

TIPOS POPULARES DE MINHA TERRA.



INTRODUÇÃO. 

Há muitos anos alimento o desejo de escrever algo sobre algumas figuras folclóricas de nossa cidade. Principalmente sobre aqueles tipos populares que foram meus contemporâneos, os quais tive o prazer de conhecer e o atrevimento de provocar um ou outro quando eu era criança, sem juízo. De uma forma bem peculiar e singela eles faziam a diversão da molecada.
              No entanto, para levar a cabo o meu desejo, sempre me faltavam treis coisas: Tempo, oportunidade e capacidade. Agora, tendo conseguido os dois primeiros, estou tentando realizar meu desejo, mesmo correndo o risco de ser ridicularizado por quem não entender o poema ou não tenha conhecido tais figuras. Quem não as conheceu perdeu!
           Os leitores mais novos provavelmente não os tenham conhecido. Porém, os leitores mais maduros, os quarentões para cima, certamente conheceram alguns, quase todos ou todos. Assim, se lembrarão do passado e de tudo o que está sendo narrado. Então, peço aos mais novos mostrarem este texto ao papai, à mamãe e até aos vovôs. Algum deles se lembrará de um ou outro ou de todos os tipos citados. 
          Quanto à capacidade, não consigo obtê-la. Assim, estou substituindo-a pelo esforço, pela perseverança e pela coragem.  O resultado aí está. Se gostarem, digam para os outros; se não gostarem, digam para mim. Quem me elogia deve ou pode ser meu amigo; quem me critica pode até ser meu inimigo, mas não deixa de ser meu professor!
         A seguir, a “obra literária” do século, escrita em versos e que posteriormente será transformada em prosa.

MESMO estando no presente, com os lhos da minha mente,
eu olho para o passado.
Vejo ao longo desta vida, pessoas muito queridas,
de quem tenho recordado.
Foram muitas criaturas, com quem tive a ventura
de conviver dia a dia.
Verdade, algumas marcaram; outras nem tanto, passaram,
mas, deixaram nostalgia.
Ainda trago na mente, uma afro-descendente
que vivia reclamando.
Quando alguém a provocava, numa pedra já pegava
e ia logo atirando.
Essa dona existiu; não sei de onde saiu,
nem pra onde ela ia.
Tal pessoa foi real; gostava de carnaval,
e seu nome era Maria.
Maria não sei de quê! Eu vou contar pra você
o jeito que a coisa é:
Quando a gente não sabia, toda “dona” era Maria,
e todo homem era José.
            Relatando bem o fato, eu quero dizer no ato,
            para não falar mentira.
            Além do nome Maria, essa dona parecia
            chamar-se também Jacira.
Outro que deixou saudade: Aristides Pires Andrade,
era essa a sua graça.
Mas foi com um codinome, que esse bondoso homem
ficou famoso na praça.
O codinome que eu digo, e guardo sempre comigo,
está na mente do povo.
Não era Zé, nem Joaquim; João, Raimundo, Serafim...
Era Tide Bota-Ovo.
No lugar onde ele estava, a gente sempre pensava
tratar-se de um pagode.
Enrolado ele dizia, para toda a freguesia:
-Morrer, não; casar pode!
Esse Tide Bota-Ovo, tão popular entre o povo,
era um sujeito simplório.
Bem alegre sempre estava, pois as festas freqüentava,
e não perdia um velório.
Duas coisas que o mesmo, já ia xingando a esmo,
quando ouvia alguém dizer:
Primeiro, o “ir pra Iguatama” acendia logo a chama,
e depois, “corre que vai chover”!
Dando prova de bom gosto, estava sempre disposto
a desposar uma “boneca”.
Porém com gestos dizia: “Casar com Vânia queria”,
mas jamais com a “Leleca”.
                        Falante que nem um cravo, logo já ficava bravo,
                        quando ouvia alguém dizer,
                        Treis coisas que não gostava, e de repente apelava:
                        “Chover, trabalhar e morrer”.
O Manga-Manga, coitado! Com aquele saco pesado,
tombando, pra lá e pra cá.
Porém a gente sabia, que aquele saco servia
pra ele se equilibrar.
Até que o fatal destino
impôs ao pobre “menino” triste sina, que horror!
Numa tarde de má sorte,
o pobre encontrou a morte, debaixo de um trator.
A bem da pura verdade, não foi trator o covarde
que tirou-lhe a luz do sol.
Não foi carro, nem foi moto; alguém deve ter a foto
daquela horrenda patrol.
Tinha também o Mudinho, com seu cabelo branquinho,
maldoso que dava medo.
Se alguém o provocava, fingia que não ligava,
mas se vingava em segredo.
Conforme o registro diz, o seu nome era Luiz,
alcunhado de Paguega.
Do tal nenhum agressor escapuliu do pavor
de levar uma refrega.
Se o agressor descuidava, Paguega se aproximava,
pé por pé, bem na espreita.
Quando o gaiato atinava, já sentindo dor notava
que a vingança estava feita.
Foi pioneiro, de fato; mesmo sem ter aparato,
da propaganda ambulante.
Ninguém entendia nada, mas o pobre camarada
insistia em ser falante.
De tabuleta nas costas, sempre fazia a mostra
do filme a ser exibido.
Mau, ranzinza e rabugento; vez ou outra, violento,
mesmo assim era querido.
Meu Deus! E o Zé Alexandre, de esperteza bem grande,
mas era muito ranzinza.
Na porta do bar, sentado, não viu o cavalo queimado,
Só viu o monte de cinza.
Bêbado que nem um gambá, estava sempre a falar,
não tinha nada de mudo.
Sempre muito enfurecido, normalmente aborrecido,
mas tinha resposta pra tudo.
E o artesão Chico Mala? Com aquela mansa fala,
quando moldava escultura!
Naquele tempo era banal, porém no mundo atual
é uma prova de cultura.
Sendo ele artesão, moldava o barro na mão,
porém com muito carinho.
Para nós, a molecada, que não entendia nada
era só  fazedor de bichinho.
O fazedor de bichinho trabalhava com carinho,
mesmo sendo ruim da vista.
Ninguém prestava atenção, mas esse tal artesão
hoje seria um artista.
O vetusto Antônio Coador, para os meninos um terror,
com seu machado na mão.
De casa em casa ficava, picando lenha e empilhava,
porque gás não tinha, não.
 Roupa tosca e pés no chão, esse pobre cidadão
não era lá muito bravo.
Certeza, ninguém sabia, mas muita gente dizia
que seu pai fora um escravo.
De cor preta, bem escura, essa pobre criatura.
não tinha aparência bela.
Do asseio não cuidava, e seu olho sempre estava
lambrecado de remela.
Lembrando melhor do fato, quero fazer o relato,
sem soberba e com pudor.
A bem da pura verdade, afamou-se na cidade
a remela do Coador.
Tinha o trio parado dura, composto por criaturas,
que detestavam pivete.
Não sei qual o mais quadrado, mas era tudo engraçado:
O Saracura, o Casa-Hoje e o KB7
O Zé Lajinha xingava, quando a gente recitava
o versinho popular:
“Virei tico-tico, virei sabiá; virei Zé Lajinha”.
de pernas pro ar”.
E a Maria Caxuxa?! Se ela usasse garrucha,
atirava pra matar,
quando algum engraçadinho, declamava os versinhos,
que ora vou recitar:
                                    -”Maria Caxuxa, com quem dorme tu”?
                                   -“Eu durmo sozinha com o dedo no... ouvido”.
Tinha outros diferentes, porém tudo boa gente.
não tinha nenhum atoa.
Boa Prosa, Rei da Capa e Realino; Amerquinho e João Balduino,
Inês Doida e Geralda Bedoa.
Existiam outros tantos, cada um com seu encanto,
uns sisudos, outros contentes.
O tempo passa e repassa, a gente lembra da graça
que havia naquela gente.
De todos o mais contente, sobretudo boa gente,
era o Tide Bota Ovo.
De tal forma acostumado, quando não era aboiado,
ele é que aboiava o povo.
Quase todos já morreram; os vivos não esqueceram
dessa gente tão querida.
Certamente estão felizes, apreciando os matizes
do outro lado da vida.
Um deles, por pura sorte, não foi pro vale da morte,
como a turma toda fôra.
Ele é muito conhecido, mas anda meio sumido:
É o grande Tião Vassoura.
Vou parando por aqui, queria até prosseguir,
mas falta capacidade.
Se persistir, eu consigo, mas pode ocorrer comigo,
me derreter de saudade.
Saudade daquela gente, que vivia bem contente,
sem luxo, sem preconceito.
E todas elas estão, pra minha satisfação,
Do lado esquerdo do peito.



segunda-feira, 11 de julho de 2011

O homem e o cão: Diferenças e semelhanças.

O HOMEM e o cão são, a meu ver, bem parecidos. Creio que o são também na ótica de qualquer pessoa que lhes observar comparativamente. Todavia, ao mesmo tempo possuem diferenças marcantes, devido às características de cada espécie. É o caso de se dizer que são iguais, mas são diferentes. Não só no físico, como também na constituição do psiquismo, o que os torna racional e irracional. O homem a que estou me referindo, e vou mencionar outras vezes, é gênero humano, e não o feminino e o masculino, homem e a mulher. Assim como o cão em referência, aludo-me a toda a raça canina, e não ao macho e a fêmea.
SÃO PARECIDOS porque nenhum dos dois tolera muito um outro ser da mesma raça.  Os cães sempre gostaram mais do homem do que de outro cão, da mesma forma que o homem também hoje já prefere um cão a um outro homem, uma vez que aquele é muito mais confiável do que este. O homem convive com outros homens por necessidade social e afetiva, da mesma forma os cães convivem com outros cães pelos mesmos motivos. O cão e homem são animais gregários, ou seja, necessitam viver coletivamente, em comunidade, no caso do homem, ou em manada ou matilha, no caso dos cães. Ou ainda em alcatéia, no caso de lobos.
ESSE FATO acontece porque ninguém está podendo confiar em ninguém. Assim como um homem não é mais confiável para outro homem, um cão também nunca o foi para o outro. Observem que quando dois cães desconhecidos se aproximam um do outro, eles o fazem na maior desconfiança, rosnando e cheirando as partes íntimas do outro. As rosnadas e as cheiradas são recíprocas: um cheira o outro; o outro cheira o um. Já pensaram na cena de um homem cheirando as partes íntimas de outro homem em público? Credo em cruz! Toc, Toc, Toc. Agora, em se tratando de cheirar uma beldade, eu mesmo faria esse sacrifício.
ALÉM de outras similaridades, há também diferenças marcantes em decorrência da racionalidade de um e da irracionalidade do outro. O cão é muito mais confiável e fiel do que o homem e muito menos interesseiro. Enquanto o cão só deseja abrigo, alimento e carinho, o homem quer tudo pra ele. E não escolhe atitudes decentes para conseguir. Entre um cão e outro, também há competição devido ao caráter irracional deles, porém só no tocante ao alimento ou a uma cadela no cio, enquanto o homem compete com o outro em tudo e por tudo. E, muitas vezes, deslealmente, dissimuladamente. Na moita!
QUANDO um cão não vai com a fachada de alguém, é quase certo que esse alguém represente algum perigo para ele ou para seu dono. Pode ser também que esse alguém já tenha sido hostil com ele alguma vez. Ao contrário do homem, o cão não finge; mostra logo os dentes. Além disso, o cão tem facilidade de perceber maldade nas pessoas, mesmo que elas não a externam. O cão também tem a capacidade de perceber quando há maus fluídos por perto ou quando o ar está “carregado” nas proximidades de seu reduto ou perto de seu dono. Perceba que o cão, quieto, costuma levantar de repente e começa a aspirar algo no ar. Minha cachorrinha age assim com freqüência.
UMA OUTRA diferença marcante entre o homem e o cão é o acolhimento. Quando a uma casa chega uma pessoa conhecida do dono e do cão, o cão a recebe com muito mais alegria do que o dono. Mesmo o dono estando feliz com a visita, o cão se mostra muito mais feliz ainda. O cão fica tão eufórico que costuma deitar de costas, oferecendo a barriga a um carinho do visitante. Minha cachorrinha age dessa forma. Depois de muita euforia, ela vai deitando de barriga pra cima para ser acariciada pelo pé do visitante. O amigo leitor já pensou no fato de chegar a uma casa e o dono, eufórico, já ir deitando de costas para receber um carinho?  Deve ser uma cena bem estranha e duvidosa.
QUANDO alguém quer agredir, ofender ou revidar ofensa e grosseria de outra pessoa, diz logo assim: “Você, para cachorro só falta o rabo”! Ledo engano. Não falta rabo nenhum. Como o cachorro, o homem também tem rabo. Só que o do cachorro protubera pra fora, o do homem se projeta para dentro. Vejam bem: quando não estamos satisfeitos com um objeto que está em nosso poder ou nos sentimos na iminência de conseguir algo que não vai agradar, revoltados, logo dizemos ou, no mínimo, pensamos em dizer: “Ah, não quero isso, não! Enfia no rabo!” “Pega isso e enfia no rabo!” E também muita gente gosta de se vangloriar, dizendo:” Eu não tenho o rabo preso!” Pelo menos no sentido figurado, o homem possue rabo. Agora, cauda já é bem diferente.
DIZEM por aí que o homem confia no cão, porque este ainda não conhece dinheiro. Por outro lado, o cão confia cegamente no homem porque não tem a capacidade de entender a maldade que o homem traz no coração. Se o cão conhecesse dinheiro, o homem teria que combater duplamente: com o cão e com outro homem. Felizmente ele não conhece o vil metal, não tem interesse em nenhum bem material supérfluo e se satisfaz com muito pouco, apenas com o necessário para sobreviver e continuar fiel ao dono ou à família a que pensa pertencer. Na realidade, algumas famílias têm o cão como um membro dela.  Ressalvados os exageros e as frescuras, pois cão é cão, gente é gente, eu penso que os cães e todos os animais devem ser tratados com zelo e carinho.
A BEM da verdade, essa tendência do homem preferir o cão a outro homem é bem antiga. Há cerca de 60 anos o Barão de Itararé já dizia: “Quanto mais convivo com os homens, mais eu gosto dos cachorros”. Se naquele tempo, quando o homem ainda era mais recatado, mais decente, mais humano e não mostrava tanta maldade e mesquinharia, alguém já escrevia um manifesto assim, imagine hoje o que esse alguém diria face ao ponto a que a perversidade humana chegou.  Como já disse um grande cantor sertanejo, um dos melhores que já vi: “É melhor ter um cachorro pra ser amigo, porque o amigo cachorro só faz traição”. De certo tempo para cá, a exemplo de muita gente, também tenho pensado assim. Motivos não faltam.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O dicionário, segundo minha mãe. E meu pai também. Parte final.

Quando os irmãos são unidos, um costuma ajudar o outro a se livrar de um castigo materno ou paterno.  Assim, um de nós, ou todos, tentava ajudar o outro a se esquivar de uma culpa junto aos pais, usando desculpas, subterfúgios ou mesmo mentiras. Usando seu rico vocabulário, nossos pais já diziam: “Dexa de sacrafúgio, minino, oceis tão é de culeio”. Sacrafúgio já mencionei logo atrás; culeio, ainda não. Com o tal culeio, eles queriam dizer que a gente estava de CONLUIO, o seja, combinado, pactuado, mancomunado.  A propósito, o culeio ou conluio é uma estratégia muito usada pelos políticos para favorecimento mútuo. Não é fácil encontrar um político em atividade que não esteja em conluio com alguém. Os políticos mais antigos, mais rudes e menos alfabetizados, usavam culeio; os de hoje bem mais cultos, usam conluio para ficar linguisticamente corretos, mas moralmente muito incorretos.

Toda criança normal é curiosa. Não sendo muito tímida e tolhida em sua liberdade, ela gosta muito de ficar fazendo perguntas sobre as coisas que lhe cercam e sobre os assuntos dos adultos. No meu tempo, embora mais retraídas por causa da disciplina, a gente também, costumava fazer muitas perguntas, não tanto constrangedoras quanto as feitas pelas crianças de hoje. É cada pergunta, que dá até para corar os mais velhos!  Nossos pais, às vezes por causa da rudeza, paciência e incultura, não respondiam com muita eficiência, já chamando a gente de espicula.   “Ocê é muito espicula, minino! Dexa de ser inxirido”!  Espicula! Que gracinha! Até me arrepio de lembrar.  Esse espicula eles tiraram do verbo especular, que tem dois sentidos: O primeiro é relativo a espelho; a brilho semelhante ao do espelho. O segundo, significa estudar com atenção; meditar; raciocinar; colher informações sobre alguma coisa. Significa também encontrar formas de ganhar dinheiro no mercado de capitais. Com certeza não era neste último sentido que eles utilizavam o “xingamento”. Era no sentido de ser intrometido mesmo, curioso ou “inxirido”, de acordo com o vasto vocabulário deles.

O mais surpreendente nesta história é que foi essa mulher, analfabeta, que me mandou pra escola. Foi essa mulher que mesmo não sabendo o beabá me incentivou a estudar pra arranjar um emprego “bão”, segundo ela mesma dizia, Era essa pobre mulher que fazia café de manhã, quando tinha pó, pra gente tomar e não ir para a escola em “jejum natural”, conforme ela dizia. Essa senhora era a mesma que fazia sopa de macarrão para eu engolir correndo, sem mastigar, e não chegar atrasado no Ginásio Estadual, no Colégio Comercial e, tempos depois, na FAFI-FUOM. No início, antes do macarrão, eu tomava um banho na água que ela havia esquentado no fogão a lenha, por falta de um banheiro decente. Sou nada, mas o nada decente que sou devo a essa humilde criatura, cuja timidez não a deixava carinhar fisicamente os filhos.

Terminando, antes que eu leve uma “currumaça” de xingamentos, uma vez que estou “estrovano”, já que vocês devem estar querendo ir comer uma “ treta”, vou fazer apenas uma pergunta. Imagino que ninguém vai saber me responder, mas vou fazê-la assim mesmo, não obstante também possa parecer pergunta idiota e me considerarem “espícula”: Por que as mães morrem? Se eu fosse Deus, não deixaria nenhuma mãe adoecer, e muito menos morrer, mesmo sabendo que elas merecem o céu. Elas fazem muita falta para os filhos, mesmo estes estando com o cabelo branquinho e se locomovendo de bengala. Aí é que elas fazem falta mesmo! Uma boa mãe é o céu aqui na terra. Mãe é uma coisa tão boa e tão necessária que até Jesus, mesmo sendo filho de Deus, precisou ter uma.